quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Porque a Cadernos Jandaia acertou - imagem e ativismo virtual

As transformações costumam ser lentas, se misturam à correria do dia-a-dia e muitas vezes passam despercebidas. Certos acontecimentos, entretanto, nos despertam. Tomamos consciência de que sim, alguma coisa mudou.
A repercussão do caso dos cadernos Jandaia é um bom exemplo. Para entender o ocorrido, basta ler a matéria do portal da Exame. Em resumo, a empresa lançou uma coleção de capas de cadernos com o objetivo de atingir o público jovem e escorregou feio no sexismo e na apologia à violência contra a mulher. Isso não chega a ser surpreendente, tendo em vista que, infelizmente, vivemos em uma sociedade altamente machista e desrespeitosa no que se refere à autonomia da mulher com relação ao seu próprio corpo e desejo. Não faltam exemplos desse desrespeito na mídia, na publicidade, em diversos produtos culturais.
Esse caso, entretanto, chama atenção por dois aspectos. O primeiro foi a ação rápida e conjunta de diversos coletivos feministas. Assim que as imagens das capas e adesivos dos cadernos foram divulgadas, o que era descontentamento tornou-se uma ação viral. Logo, além de imagens criticando os Cadernos Jandaia sendo replicadas no Facebook, a página da empresa na mesma rede social foi inundada de comentários negativos, solicitações de retratação e retirada dos produtos do mercado. Como muitas vezes as redes sociais pautam a imprensa, no mesmo dia, grandes portais já noticiavam e pediam a análise de especialistas. A secretária-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, Marta Vanelli, declarou para o portal UOL "As capas são de extremo mau gosto e transmitem uma imagem muito pejorativa das mulheres".


Com todo esse barulho a empresa não tardou a se pronunciar e aí está o segundo aspecto interessante da polêmica. Além da retratação pública, a Cadernos Jandaia se comprometeu a retirar os produtos do mercado, solicitou sugestões de capas e iniciou no mesmo dia algumas postagens educativas sobre discriminação de gênero.
Com essas ações, a empresa demonstrou em primeiro lugar que não pretendia dormir no ponto. Muitas vezes, uma organização está presente nas redes sociais, mas não necessariamente preparada para lidar com as crises que essa presença pode acarretar. Agindo rápido, a Cadernos Jandaia mostrou o dinamismo necessário para atuar num mercado cada dia mais permeado pela interatividade das mídias digitais. Da mesma forma, a Cadernos Jandaia aceitou e assumiu que o mundo não é estático, que os conflitos políticos interferem diretamente no mundo dos negócios e que jogar o problema para debaixo do tapete pode ser bastante prejudicial para a relevância de uma marca. Como recompensa, recebeu o apoio dos críticos que divulgaram notas elogiando a ação correta e célere da empresa. 


Sendo assim, ficam as lições para todos nós:
- O mundo mudou sim, não há mais espaço para o preconceito, para o desrespeito aos direitos individuais e para o incentivo à violência. Na hora de lançar um produto, as organizações devem estar cientes disso.
- O ativismo virtual (também conhecido como ativismo de sofá) não é uma brincadeira, está organizado e começa a angariar vitórias cada dia mais significativas.
- O mundo dos negócios não vive em um universo paralelo, imune aos progressos sociais. Estar no mercado hoje também envolve ter senso ético, ouvidos e olhos abertos para receber as demandas dos consumidores e uma comunicação dinâmica pronta para atuar na hora certa, ou seja, em tempo real.
 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Poemas perhaps

Certo tempo atrás mostrei um texto para duas pessoas e a reação foi a mesma: ué, você escreve poesia? Respondi que não, que não se tratava de poesia. Um texto literário ainda vai, mas poesia?

O escrito era esse:

Locomotiva

Tenho fogo dentro de mim.
Arde, alastra, arrefece, esquenta outra vez.
Às vezes cresce até a pele e chega a iluminar.
Mas dói. E machuca quem toca.
Não tem rosto nem nome esse fogo.
Eu não rezo para ele.
Não apaga nunca. Mesmo que eu queira.
- Vai embora, diabo, me deixa!
Não mata. Mesmo que eu peça.
- Termina logo com isso, trem.
Não é bom. Mas é necessário.
Ele me ajuda a levantar e a querer.
A continuar seguindo, trilhando e gritando.
Como uma locomotiva.


Pensei e não me convenci por completo. Poesia para mim quem faz é o Bandeira, o Drummond:

Acordar, viver
Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.

Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?

Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?

Ninguém responde, a vida é pétrea.


Carlos Drummond de Andrade

Isso sim é poesia.

Então, diante da minha dúvida chamarei meus rascunhos de poemas perhaps. Serve para nada, mas liberta. O suficiente para mim.

O Tempo

Quando durmo, desliza
Quando corro, multiplica
Quando deito, escapa
Quando preciso, é inexorável
Quando me escondo, alerta
Quando desejo, choro, ranjo os dentes, ignora
Quando fecho os olhos e respiro, rende-se
E eu venço.


Entendimento

Meu filho não me perpetua
Um gêmeo não é igual ao outro
O humor não é definido pelos percursos estelares
A riqueza do livro não está nas palavras, mas no olhar – de quem lê
Existe uma diferença de essência entre o antídoto e o veneno que vai além da dose.


Ficha de inscrição

Nome: Ludmila
Status: trocando de pele
Aspiração: leveza
Inspiração: letras, imagens e cores (em tons pastéis)
Habilidades: Desejar, sentir, imaginar e construir (junto)
Ambição: felicidade para todos habitantes do planeta (sem exceção)


  

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Pequenos leitores

Todos os dias temos motivos para diminuir nossa fé na humanidade. As notícias ruins chegam de todos os lados. Por isso resolvi escrever sobre um fenômeno que, ao contrário, só traz esperança. O surgimento de uma geração de pequenos e bons leitores.

A leitura na educação infantil está em alta. Existe um incentivo constante para que crianças, na faixa etária de zero a seis anos, tenham acesso a livros e ao mundo da literatura através de títulos atrativos, contação de histórias e espaços dedicados. Percebo essa tendência de maneira bem clara no meu entorno e, acredito, ela é bastante abrangente.

Qualquer livraria que se preze tem uma área reservada às crianças. E nem poderia ser diferente, já que em 2012, segundo a Associação Nacional de Livrarias (ANL) a literatura infantil só perdeu, em volume de vendas, para os livros religiosos. E esse protagonismo vem se consolidando, de acordo com a mesma pesquisa, desde 2009.

As escolas infantis também ajudam, pois investem em projetos específicos sobre obras infantis, enviam exemplares todos os finais de semana – com o intuito de garantir a leitura em família – e encenam peças de teatro baseadas nos livros lidos em sala de aula.

Soma-se a isso, a insubstituível leitura ao pé da cama. Hábito de vários pais e mães que, como eu, acreditam que ler um livro para o filho, ou filha, antes de dormir, traz benefícios dos mais variados. Além de oferecer o prazer da leitura e o universo lúdico das estórias infantis, ler para uma criança fortalece os laços afetivos, cria um momento de intimidade e relaxa tanto o ouvinte como o cuidador que está lendo. 

Com a popularização do livro infantil, surge uma ótima opção de presente. Sim, titios, madrinhas, vovós, são, da mesma forma, fundamentais na formação dos pequenos leitores. E aí vai uma dica importante: antes de presentear com um livro, principalmente se for destinado a uma criança, leia-o antes de comprar!

Explico-me. O crescimento da demanda fez surgir uma enormidade de títulos e, verdade seja dita, nem todos são bons ou se encaixam no perfil de determinadas famílias. Eu mesma já comprei gato por lebre e joguei no lixo uma linda coletânea de contos infantis, ricamente ilustrada, com histórias sem pé nem cabeça.

Os valores devem, igualmente, ser levados em consideração na hora de decidir por um título ou outro. Cuidado com as gafes culturais. Alguns duvidam, mas existem pessoas que não são cristãs (portanto, se faltar intimidade ou conhecimento, não presenteie com a bíblia para crianças). Há, por exemplo, aqueles que prezam por uma educação menos sexista (como essa mãe que vos escreve) e aí todo cuidado é pouco com os manuais de etiqueta, corte, costura e similares para meninas que ainda não saíram das fraldas. O inverso também vale. Evite impor um pensamento ou valor que não faça parte da realidade daquele grupo familiar. Qualquer obra que fuja radicalmente da linha de pensamento dos pais vai acabar empoeirado no fundo da estante.

Como sugestão, alguns livros que considero boas compras e não são badalados. Os que se seguem foram testados e aprovados por uma leitora exigente, minha filha de três anos. A maioria reúne qualidade e bom preço. Outra dica antes de comprar um livro infantil: compare os preços e não descarte nunca os sebos. Boas histórias não envelhecem.

O que fazem os peixes? – Baby Einstein
Um dos primeiros livros da Teresa. Praticamente sem história, ideal para os novinhos de até 18 meses. Eles adoram as luzes e sons. Os pais podem acompanhar o desenvolvimento do bebê de acordo com as respostas dadas às perguntas do livro.


Contos dos Sonhos – Ed. Fapi
Despretensioso, histórias curtas, bem lúdicas e relaxantes. Funciona muito bem até os dois anos.


 Lindara – Sonia Rosa – Ed. Nandyala
Ótimo texto, trabalha bem a superação de obstáculos na infância. A protagonista negra foge do padrão, branca, loira, olho azul que, infelizmente, povoa a literatura infantil.



Chapeuzinho Amarelo – Chico Buarque – Ed. José Olympio
Clássica história sobre superação do medo. O livro faz parte da Coleção Itaú de livros infantis, distribuída anualmente pela Fundação Itaú Social. Aliás, uma iniciativa de tirar o chapéu. Se você não conhece, confira.



Quando eu crescer – Anne Faundez – Ciranda Cultural
Mais uma protagonista negra e fantástica. Estimula a autonomia e a liberdade das crianças.


A curiosidade Premiada – Fernanda Lopes de Almeida/Alcy Linares – Ed. Ática
Esse livro já é voltado para crianças um pouco mais velhas, a partir de três anos. Mas é uma brincadeira deliciosa com a famosa fase dos porquês.



O ratinho, o morango vermelho maduro e o grande urso esfomeado – Don e Audrey Wood – Brinque-Book
Mais um livro que chegou via Coleção Itaú de livros infantis e conquistou nossa leitora. Sutil, bem elaborado, é uma ótima pedida para apresentar aos pequenos a ironia e um humor mais refinado.